Ser crossdresser é o que? Uma orientação? Uma condição? Um estilo de vida?
Conheço muitos gays que, na infância, gostavam de usar, às escondidas, roupas femininas da mãe, da irmã. Enchiam os lábios de batom e/ou passeavam pela casa de salto alto. No entanto, na fase adulta, nem todos virariam crossdresser ou travesti. Acredito que ultrapassar os limites de gênero (de ser homem e de ser mulher) é bastante excitante e provocador. Tanto é que ser crossdresser não quer dizer necessariamente ser homo ou heterossexual. Há muitos casos de cds heterossexuais, da mesma forma que há cds bi e homossexuais. Isto quer dizer que brincar com a masculinidade e com a feminilidade transcende o sexo.
Eu mesma, ao contrário de muitas outras cds, nunca tive, na infância, vontade de me vestir de mulher. Minha vida sexual começou aos 16 anos, com um ex-vizinho meu. Porém, a primeira vez que usei uma calcinha já tinha uns 23 anos. Foi aí que tudo começou...
Por curiosidade, certo dia, entrei na sala de bate papo de travestis da UOL. Isso remonta ao início dos anos 2000. Nem havia sala específica de crossdresser, como já existe atualmente. Pois bem, teclei com várias pessoas, vários rapazes. Com um deles mantivemos contato e nos encontramos num domingo à tarde. Ele queria que eu me vestisse de mulher, mas não tinha roupas para isso. O que fazer?? Pra variar, peguei escondido algumas roupas da minha irmã e lá fui eu ao encontro do rapaz. Fomos a um motel, e eu me montei pra ele... quer dizer... apenas coloquei uma calcinha, vestido e uma sandália... foi o suficiente para passarmos uma tarde deliciosa juntos. Foi meu debut como crossdresser, digamos.
Nos encontramos outras vezes, sempre no mesmo esquema. Algum tempo depois, comecei a namorar um mecânico que morava próximo à minha casa que também pedia que eu me “montasse”para ele. E assim foi. Por coincidência ou não, acabei tendo namorados que curtiam essa fantasia. Que tinham o desejo de possuir (digamos...) um homem vestido de mulher.
Assim, talvez por perceber a demanda a esse tipo de fantasia, e também por começar a gostar disso. Acabei, aos poucos, sendo frequentadora assídua das salas de bate papo de cds. É claro que essa descoberta veio aos poucos. Vem sem a gente saber, e aos poucos essa identidade vai se formando na gente.
É uma descoberta silenciosa e solitária. Como ser crossdresser normalmente fica restrito às 4 paredes da casa, é mais difícil de socializar tal identidade, a não ser em conversas virtuais, que são importantes, mas muito superficiais.
Então, como aprender a se montar? Maquiagem? Cabelo? Roupas? Uma coisa é vc, enquanto menino, colocar uma calcinha, ou um vestidinho pra agradar seu namorado ou parceiro. Outra coisa é você, enquanto crossdresser, se montar. Digamos que a exigência é muito maior.
Quando, na segunda metade dos anos 2000 eu me assumi crossdresser, e fui à 25 de março comprar peruca, make e roupas (kkkk), não imaginava que montar um belo look exigia uma sensibilidade que, na época, não tinha. Ao olhar minhas fotos dessa época, quase tenho colapso... que peruca era aquela?? Batom horroroso! Roupinha da vovó em que nada combinava com nada!
Mas é assim mesmo! A aprendizagem vem aos poucos. Com o tempo, vamos percebendo e conhecendo o corpo, aprendendo a fazer uma maquiagem adequada que valorize o rosto, uma peruca tbm adequada à tez e ao todo, que deixe a gente bonita.
Afinal, independentemente da orientação sexual de uma crossdresser ou do que motivou a ter essa identidade, o que importa é estar bem consigo e com seu corpo. Olhar no espelho e se sentir bonita, se sentir bem interiormente. Até porque, quem me vê assim cantando, não sabe nada de mim...
Na foto, depois de tantas "experimentações", meu look atual. "Dentro de mim, mora um anjo..."